30 julho 2007

Da liberdade

" "Vem por aqui" --- dizem-me alguns com olhos doces,
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom se eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui"!
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos meus olhos, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...

A minha glória é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.
--- Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre a minha mãe.

Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...

Se ao que busco saber nenhum de vós responde,
Por que me repetis: "vem por aqui"?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...

Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.

Como, pois, sereis vós
Que me dareis machados, ferramentas, e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide! tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátrias, tendes tectos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios.
Eu tenho a minha Loucura!

Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...

Deus e o Diabo é que me guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou,
--- Sei que não vou por aí."

- José Régio -

25 julho 2007

Despair

"Her eyes are grey.
Her hair is straggy and wet.
Her fingers are stubby.
The nails are chewed and broken.
Her teeth are crooked, jagged things.
There is a vacancy in her gaze, a feeling of absence when you are near her that is impossible to put into words.
Her sigil is the hooked ring.
One day her hook will catch your heart.
Describing her, we articulate what she is and why she is:
when hope is past, she is there.
She is in a thousand thousand waiting rooms and empty streets, in grey concrete buildings and anonymous hotels.
She is on the other side of every mirror.
When the eyes that look back you know you too well,
and no longer care for what they see, they are her eyes.
She stands and waits, and in her posture the pain no longer tells you to live, and in her presence joy is unimaginable. (...)
It is a peculiar, flat memory,
in which things become bleak and bounded by the dark.
There is joy in there,
of course,
and love,
and touching.
The presence that makes the
presence absence unbearable.
Without triumph,
without love,
without joy,
her work would be for nothing. (...)

To be Despair. It is a portrait.
Only close your eyes and feel."


- Neil Gaiman -
(The Sandman, Endless Nights)

21 julho 2007

Master of the Wind

"In the silence of the darkness
when all are fast asleep
I live inside a dream calling to your spirit
As a sail calls the wind, hear the angels sing

Far beyond the sun across the western sky
Reach into the blackness find a silver line

In a voice I whisper a candle in the night
Will carry all our dreams in a single dream of light (...)



Falling stars now light my way
My life was written on the wind
Clouds above, clouds below
High ascend the dream within

When the wind fills the sky the clouds will move aside
And there will be the road to all our dreams
And for any day that stings two better days it brings
Nothing is as bad as it seems


Close your eyes, look into the dream
Wins of change will winds of fortune bring


Fly away to a rainbow in the sky gold is at the end for each of us to find
There the road begins where another one will end
Here the four winds know who will break and who will bend
All to be the master of the wind."

- Manowar -
(Master of the Wind; The Triumph Of Steel, 1992)

18 julho 2007

23/9 [Shooting star]

Que me perdoem a demora, que me desculpem o atraso; apenas a real sede de viver torna latente o pensamento.

[Era uma vez]
Mutilados os relógios dos quais a vida escorria em espasmos monocórdicos, o tempo cristalizou sereno e eterno num qualquer conto de fadas tantas vezes pensado e deliberadamente evitado. Tempo, indiferente, aquoso e sem qualquer domínio no voo do peixe roxo... porque o animal estendeu as asas e dança, em descargas de luz, debaixo de uma chuva de cristal num sorriso perfeito de existir.
Porque a inocência surpreendeu o medo, a vontade fuzilou a incerteza, o desejo consumiu a distância... e a dor cedeu perante a vida, o desespero transformou-se na calma e a insegurança vai, lentamente, morrendo na plenitude encontrada na paz dos teus braços.
A lágrima de cristal reconstitui-se de esmeraldas e tudo começa a fazer sentido no não sentido do voo do unicórnio.
O pensamento surge ainda difuso e impede a expressão total de um sentir tão mais forte e veloz e que tão precocemente se predispôs em crer na realidade da ilusão.
E, impedida de continuar por um sorriso que teima em não morrer, do tanto que calo resta saber... passei a acreditar em estrelas cadentes, pelo menos nas que desmaiam na linha do horizonte de uma auto-estrada.

[E viveram felizes...]

07 julho 2007

... 'till...




03 julho 2007

Devaneio 1º

Correntes de fumo incolor naquela parede de lágrimas suadas onde relógios de sangue riem com sarcasmo do tempo que se esgota. Cada minuto um sorriso, cada minuto uma lágrima… na areia receosa e escassa prisioneira daquele vidro dourado, a alma vagueia em gritos de cor e de luz e a inocência brinca em rodas de mãos dadas com a dor.
Tempo perpétuo, constante… ironia de não existir tempo na incerteza mutilante… ambiguidade de ser, certeza de querer, paixão de vida, medo de morte… néon, esmeralda, marfim… ironia da concretização do sonho pelo risco de morte.
Os olhos eram a esperança encontrada, o sorriso a eternidade guardada e as mãos a segurança desejada!...mas as palavras evitadas reerguiam o gigante, o toque ausente animava a marioneta, a consciência era aquele pesado delírio que tudo poderia desmoronar e, o sono, furtivo e inevitável, trazia à lembrança o medo da abertura na ausência.
E o sentir! O peso de sentir o sonho, a esperança, a vida… preto, púrpura, branco… o sufocante sentir da plenitude ao cair da noite.
Tempo sem tempo… não existe tempo! Fechem a alma, tranquem o sangue! Enjaulem-se as feras e retome-se a segurança!
Mais um dia, mais uma noite… e ela ficou. Ficou como quem nunca receou o fim, viveu cada segundo roubado como a eterna verdade. Com a certeza da incerteza tatuada no peito, caminhou determinada e continua, livremente, ao possível encontro de uma morte anunciada.
Porque, se a verdade for mentira, nada faz sentido na verdadeira verdade.
Sim,… adoro-te.