24 abril 2006

Da insegurança

“(…) Não acontecer nada é bom. Estendo-me na cama e caminho devagar pelos corredores da memória. Se uma pessoa é aquilo de que se lembra então eu sou muito pouco (…).
Se juntasse todas as recordações da minha infância conseguiria escrever, no máximo, meia dúzia de páginas. Há personagens literários com mais memória que eu. Seguro-me, todavia, a essas escassas lembranças, com a firmeza de um náufrago a uma tábua estreita, porque nos dias de chuva ou nas tardes mortas (…) são elas que me explicam e me sustentam.
(…) Fora do tempo não tenho tanto medo. Estendida numa cama alheia, numa cápsula branca a flutuar no espaço, posso fingir que tenho o comando dos dias. Acelero. Abrando. Volto atrás para estudar melhor um pormenor. Apago uma cena que não gostei.
Fecho os olhos e penso: preciso mudar de perfuma. Preciso comprar um vestido para o Verão.
Penso: amanhã é o primeiro dia do resto da minha vida.”

Nenhum comentário: